domingo, 19 de dezembro de 2010

DIALOGANDO: CONVERSA ENTRE IRMÃOS E IRMÃS

Nosso blog quer ser um espaço de interação entre os vários irmãos e irmãs que acompanham a nossa fraternidade e que fazem parte, na variedade de maneiras, de nosso projeto de vida. Por isso, inauguramos aqui um espaço onde podemos dar nossa opinião acerca de temas atuais, iluminando-os com nossa espiritualidade franciscana. Deixe um comentário ao assunto que, em breve, ele se tornará uma postagem de nosso blog.

Iniciamos nosso diálogo falando da PAZ. Perplexos diante da violência que assola o Rio de Janeiro, somos questionados acerca de nosso papel na construção de uma Cultura de Paz. Qual nossa contribuição franciscana? Como contribuirmos para que novas relações sejam estabelecidas?



Apresentamos aqui, para iluminar nossa reflexão, um texto do franciscanólogo  José Antônio Merino, extraído de sua obra "Manifesto Franciscano para um Futuro Melhor", publicada pela Editorial Franciscana, Braga, 1986, pág. 58 a 62, entitulado MENSAGEIROS DA PAZ.

Duas irmãs nossas já deram continuidade a nossa reflexão enviando seus artigos:

Cássia Ferreira, de Pitangui, enviou-nos o texto "Arrastão da Paz", apresentando-nos um grande convite para sermos artífices da paz.

Cacilda Ferreira, residente nos EUA, enviou-nos um artigo entitulado "A paz não é uma bandeira branca, é uma alma limpa", no qual ela transcreve, com grande liberdade e pertinência, um entrevista da jornalista norte americana Oprah Winfrede com um monge budista Trick Nahat Hann.

Boa leitura para todos! Dê também sua contribuição, enviando-nos um artigo ou mesmo um breve comentário.


MENSAGEIROS DA PAZ

O Santo italiano, que havia experimentado na sociedade em que viveu as grandes tensões, os frequentes conflitos e as vergonhosas rivalidades entre facções e famílias, quis fazer da sua pessoa e da pessoa de cada um dos companheiros outros tantos "filhos da paz". De tal modo sentiu em si as divisões, as lutas fratricidas, as rivalidades eclesiásticas e civis, que tomou como saudação cotidiana o lema de "Paz e Bem". E de tal modo o tomou a peito que São Boaventura o define como "anjo da verdadeira paz". isto mesmo transmitiu aos seus com tal empenho que, "onde quer que entravam, fosse em cidade, povoação, vila ou casa, anunciavam a paz", segundo narram os Três Companheiros. Deste modo procuravam criar condições para que a paz fosse possível e real. A sua pedagogia de homens pacíficos, mais do que pacifistas, era viverem verdadeiramente a paz consigo mesmos e com o grupo, transmitindo uma serenidade e uma alegria contagiosas e irresistíveis.
O irmão universal não se limitou a levar a paz aos indivíduos, às famílias, aos grupos, às cidades e às instituições; foi à própria raíz do problema social e político. Residia este no fato de o vassalo dever prestar juramento de fidelidade ao senhor feudal, o que supunha, logo à partida, não só trazer armas como andar metido em constantes e inevitáveis contendas entre uns e outros. Tudo isso ele proibiu à fraternidade franciscana secular, minando dessa forma uma das principais bases da sociedade feudal.
A fraternidade franciscana secular era fortemente interclassista, pois nela participavam letrados e leigos, nobres e plebeus, comerciantes e artistas. Esta atitude da nova família teve uma repercussão política social de incalculáveis consequências e isso explica que fosse tal mal vista pelos senhores feudais.
Francisco recorre a todos os meios possíveis para levar a paz onde há tensões e violências. sabido é o caso do conflito entre o bispo e o podestá ("prefeito") de Assis. Francisco, enviando os irmãos, quais novos Orfeus, consegue restabelecer a harmonia e a paz precisamente pelo canto. Em Perusa, Bolonha, Arezzo e Sena, vendo Francisco surgir vários conflitos entre grupos, logo ali se apresenta para pacificar e curar as feridas da desunião, convencido como estava de que a paz é um valor absoluto.
Um caso muito especial e do domínio público é a narrativa do logo de Gubbio. Discutiu-se muito sobre a his´toricidade e significado deste relato. Não interessa agora saber se o lobo, enormíssimo, terrível e feroz, era realmente um animal, um terrorista ou um salteador de caminhos. Interessa tão somente ver na narrativa uma parábola a propósito duma situação a que São Francisco deu uma saída pacífica e reconciliadora.
Na parábola dos Fioretti de São Francisco enfrentam-se duas realidades. De um lado, o lobo selvagem que uiva e abre as enormes fauces para satisfazer as exigências do estômago. (Para um estômago vazio não há razões de direito positivo nem de lei estabelecida, as quais, não poucas vezes, são a justificação e defesa dos direitos do mais forte). Do outro lado estão os habitantes de Gubbio, quais lobos civilizados que desfrutam do estômago satisfeito, mas gesticulam e gritam porque têm sede irreprimível de vingança, de ódio não dissimulado, febre de domínio e ânsia de protagonismo - tudo devidamente encapotado sob o nome de superação humana ou de reinvindicações intermináveis. Dois grupos assim confrontados tornam impossível a vida. Odeiam-se, temem-se, perdem os dois. Apenas logram que a vida se lhes converta num inferno.
Francisco não contemporiza com eles, não lisonjeia nenhum dos lados, antes os desmascara, errados que andam. Ao lobo selvagem endossa-lhe as mortes que faz; ao lobo da cidade verbera-lhes o egoísmo do seu comportamento. Por isso ele pede a conversão de todos. Francisco nunca perde a esperança de ninguém. Onde nós geralmente só vemos negação, maldade, obstinação e erro, descobre ele um fundo de bondade, de positividade, de dignidade, pois até da criatura aparentemente mais degradada se pode esperar a recuperação mais surpreendente. É  que nos mais fundo do ser humano está a capacidade de Deus.
Talvez que o fato de existirem tantos lobos civilizados nas nossas cidades se deva à ausência de verdadeiros homens como Francisco e à falta de lídimas bondades. O temível lobo, ante a bondade de Francisco, transforma-se em irmão lobo, em animal tratável, em companheiro; e a cidade de Gubbio, fechada e receosa, converte-se em cidade aberta, acolhedora e habitável. Para a reconciliação e harmonia dos dois bandos, o santo de Assis recorre unicamente à pedagogia da paz, porque a técnica da resistência violenta é já uma agressão que gera a desunião e o ódio. Francisco não se contenta com a justiça. Há que chegar a ela, sim, mas apenas como ponto de partida, que a justiça o mais que pode oferecer é uma repartição equitativa, mas não a reconciliação dos corações, e esta é que é a condição indispensável para criar a verdadeira fraternidade humana. Por isso se torna necessária a força transformadora do amor.
A paz que o Poverello constrói nesta parábola não se realiza com a submissão de um grupo a outro, mas com a superação de mútuas rivalidades e a renúncia a contrasensos e injustiças. Francisco harmonizou e reconciliou as forças em conflito não em nome do direito natural ou positivo, nem com argumentos metafísicos, políticos, sociais, psicológicos ou económicos, e nem sequer através de pactos e consensos, mas em nome de Deus e de Jesus Cristo e pela mediação dele próprio, o grande reconciliado com todos os seres, a quem nunca havia defraudado.
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DIALOGANDO....



Arrastão da Paz

Cássia Ferreira - Pitangui


Diante dos conflitos de seu tempo São Francisco consegue “restabelecer a paz precisamente pelo seu canto”. Toca os corações dos excluídos com a sintonia de uma suave flauta, que emana um canto de amor, esperança, justiça e paz. Esse cântico contamina a natureza que a seus olhos é vista como dom de Deus. Como aquele canto franciscano: “sou uma parte de uma imensa vida, que generosa reluz em torno a mim, imenso dom do Teu amor sem fim”.

Em nossos tempos os conflitos se espalham como erva daninha sufocando árvores e flores com o exagero de seus galhos, o grande desafio do coração franciscano é conviver com a violência com uma atitude de denúncia, mas ao mesmo tempo com uma postura pacífica, como que a compor o canto que amansa o lobo e abre os corações para as necessidades do mesmo de se alimentar. Que instrumento estamos tocando? A flauta da paz ou os tambores da guerra?

O convite franciscano hoje é para um arrastão pela paz, com um cântico novo participando de forma ativa e dinâmica deste desafio pela paz, através do nosso comprometimento com o Evangelho onde a figura de Jesus acolhe com amor os pobres e sofredores de seu tempo e nos instrui a fazer o mesmo com as vítimas dos conflitos modernos. O desafio é nosso agora, se Francisco, o pobre de Deus, carregava um pedaço de pau como se fosse seu violino e gritava: “o amor não é amado”, hoje a missão é nossa e com os instrumentos que tivermos, lembrando que pela tecnologia, nossos instrumentos são mais ágeis, basta-nos um clip para espalharmos blogs, mensagens e imagens pelo mundo inteiro.

Se Jesus é o único salvador, somos seus colaboradores. E é através de nossas palavras, gestos e atitudes e, sobretudo nosso comprometimento e vivência do Evangelho de amor e paz; é assim que O levaremos aos nossos irmãos. Nossas armas? Orações, leituras, estudos para nos fortalecer e depois, blogs, mensagens, MSN e uma infinitude de meios comunicativos. Que esses meios sejam usados para uma Evangelização sólida e duradoura chegando aonde nossos pés não conseguem ir.

Seguindo as pegadas de São Francisco, conscientes da importância e emergência da missão pacificadora, cabe a nós o início de um diálogo com nossos irmãos de caminhada e pelos caminhos do mundo. Sejamos instrumentos de paz, portadores da justiça e semeadores do amor. Já será um bom começo.

“Que diremos depois disso? Se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rm.8,31)

“Fé na vida, fé no homem, fé no que virá

Nós podemos muito, nós podemos mais,

Vamos lá fazer o que será.”



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DIALOGANDO....



“A Paz não é uma bandeira branca, é uma alma limpa”


Cacilda Ferreira, EUA

Numa época em que se fala tanto em guerra e violência, difícil falar de paz. Mas ela é o sonho dourado de todos nós e o maior desafio também.

O que é a paz? A primeira definição, simplicíssima, que nos vem à mente é que paz é a ausência de guerra. Há quem conceitue a paz como calma e tranquilidade, mas nem sempre está correto dizer isso, pois muitas vezes é necessário uma atitude drástica para se consegui-la. Exemplo disso são os acontecimentos da última semana no Rio de Janeiro, entre a favela da Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão. Uma atitude pacífica às vezes é omissão e contribui para o agravamento da violência e da desordem. Muitas vezes a paz perturba.

Paz não é apenas um sentimento de quietude ou um desejo, é uma atitude de vida, conquistada com muito esforço e oração. Nós mesmos fazemos guerra, na família, na escola, na sociedade, quando não respeitamos a opinião de alguém, querendo ser dono da verdade e da razão.

Em entrevista a Oprah o monge budista Thick Nhat Hanh disse muitas coisas interessantes a respeito da felicidade e da paz. Fiz uma tradução livre e bastante resumida e quero dividir com vocês.

Segundo ele "quando você delicia uma simples xícara de chá, você pode experienciar a sensação de felicidade e de paz. Suponhamos que você está bebendo uma xícara de chá. Segurando a xícara de chá, você respira e sente o aroma, neste momento pode levar a sua mente até o seu corpo, pode se sentir completo e no presente. Quando está inteiro, completo, algo mais está com você - a vida - representada por uma xícara de chá. Naquele momento você é real, e a xícara de chá é real. Você não está no passado ou no futuro, em seus projetos ou nas suas preocupações. Você está livre de todas as suas aflições. E naquele estado de liberdade, você delicia a sua xícara de chá. Este é um momento de felicidade e de paz. Você é real e o chá é real. Você está no presente. Você não pensa no passado, Você não pensa no futuro. Há um encontro real entre você e o seu chá; e a paz, felicidade e alegria são possíveis durante o tempo que você bebe. Esta prática de meditação pode durar uma hora. Cada momento é um momento de felicidade, quando você come, você pode entrar em contato com o cosmos, simplesmente com uma mínima quantidade de comida. Quando você escova os dentes, mesmo que tenha só dois minutos, é possível ter a sensação de viver o momento presente, o aqui e o agora, ter consciência do momento e estar em paz. Isto é possível em todas as situações da vida.

Se respira e tem consciência disso, pode sentir e até tocar o milagre de estar vivo. Felicidade é a cessação do sofrimento. A sensação de bem-estar. Quando pratica o exercício de respirar, a felicidade vem. Inspirando, tem consciência de seus olhos; expirando, sorri para os seus olhos e percebe que pode enxergar bem. Há um paraíso de formas e cores no mundo. Pelo fato de poder ver, você entra em contato com o paraíso. Desse modo, quando tem consciência de seus olhos, toca uma das condições da felicidade. E ela vem.

As pessoas sacrificam o presente pelo futuro. Mas a vida está presente somente no presente. É por isso que você deve caminhar de uma maneira em que cada passo o leve ao aqui e agora.

Ouvir as pessoas com muita atenção pode ajudá-las a aliviar seu sofrimento e isto ajuda-nos a reconhecer a existência de percepções erradas em outras pessoas e em nós. As outras pessoas têm percepções erradas sobre elas mesmas e sobre nós. E nós temos percepções erradas sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas. Esta é a base da violência, dos conflitos e da guerra. Os dois lados estão motivados pelo medo, pela raiva e pela percepção errada que temos. As percepções erradas não podem ser removidas por armas e bombas, mas por um profundo entendimento, compaixão e amor. Esta é a única maneira de afastar o terrorismo.

A raiva é uma energia que motiva as pessoas a agirem. Mas ela tira a lucidez e desencadeia ações erradas. A compaixão é uma energia melhor e muito forte.

Se estamos sofrendo, o melhor é abraçar a dor (ou seja, o medo, a ansiedade, a desesperança) e segurar a emoção, vencer o medo, até termos sabedoria suficiente, conduzir a energia para contornar o problema e não deixar que a ansiedade vença, é aí que entra a prática de concentrar-se no momento presente, entender as nossas raízes. A natureza de nossos sofrimentos e encontrar uma maneira de transformá-los. Se nós temos medo e desesperança em nós, não podemos remover estes sentimentos na sociedade.

Somos humanos e, portanto, temos sementes do bem e do mal. Nós só podemos reconhecer nossa felicidade em oposição ao nosso sofrimento. Se não conhecemos a guerra, não reconhecemos o valor da paz. Então, olhando profundamente os nossos sofrimentos é que encontramos o caminho da felicidade e da paz. A energia coletiva ajuda muito. Ser amado significa ser reconhecido como um ser existente. Quando amamos alguém, a melhor coisa que podemos oferecer é a nossa presença, mesmo que seja por telefone. É dizer: querido, eu estou aqui para você. Eu sei que você está sofrendo, mas eu estou aqui. Antes de fazer alguma coisa para ajudar, a sua presença já traz algum alívio. Pode acontecer de esse sofrimento ter sido causado pela pessoa que você ama e isso aumenta mais ainda a sua dor. É quando você deve procurar a pessoa que o feriu e dizer a ela que o sofrimento vem da percepção errada que vocês tem, e dizer que você quer transformá-la e por fim, pedir a ajuda da pessoa. Isto vai mostrar a confiança que você tem nela e a verdade. O sofrimento será “reduzido imediatamente.”

Podemos, então, concluir que na busca da paz é preciso viver o momento presente com liberdade, valorizando todos os milagres que acontecem a cada momento, a começar pelo simples ato de respirar; depois que nos concentrarmos no momento presente e na profundidade deste milagre, nós só temos que respirar e entrar no Reino de Deus. É preciso sentir a conexão com o criador, com o cosmos e com as outras pessoas, através de um diálogo sincero, onde compartilhamos sofrimentos e alegrias. A humildade, o amor, a gentileza tem que estar presentes também. E muitas outras coisas simples como saber ouvir, saber entender os outros e respeitar as diferenças individuais. A paz é possível, e esta prática é simples o suficiente para ser alcançada por todos.




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